Não é de hoje que a Ágora (o lugar do dizer e do estar, na antiga Grécia)

tem sido tema recorrente dos escritores da modernidade, desde Baudelaire, Século XIX. Nos nossos dias, a cidade segue como “cenário de fundo” de nossa literatura mais vigorosa.

Nos poemas reunidos no volume “Cidade Cativa” (Alpharrabio Edições, 2023), escritos nas últimas duas décadas, Deise não apenas vê, mas sente, pensa e faz pensar acerca dos marcos-referência de sua cidade, Mauá, no chamado Grande ABC, SP.

Na velocidade da vida cotidiana, poucos “enxergam” esses marcos, muito menos os escaninhos que não escampam ao olhar da poeta.

No meio século em que reside e percorre suas ruas, a poeta professora foi inventariando amorosamente os símbolos que a tocaram, como a Capela da Santa Casa (tida como a nossa Capela Sistina) que lhe rendeu um longo e complexo poema dedicado a seu pintor, o genial artista romeno, Emeric Marcier.

Neste poema, Deise valeu-se de seus profundos conhecidos teológicos unidos à extraordinária sensibilidade, para interpretar a sequência das pinturas nos murais que narram toda a história bíblica, desde a criação do mundo até a trajetória de Jesus, de seu nascimento à crucificação. Não se espere uma história linear encontrada nos catecismos religiosos. A poeta narra também à luz de sua vivência e humanismo, aproximando o personagem bíblico do homem dos dias de hoje.

O livro vai além, muito além desse grandioso poema. Na caixa de palavras da poeta cabem olhares e interpretações daquilo que aprendeu a amar em suas andanças de professora e de poeta, misturados à história da cidade. Monumentos, avenidas, prédios históricos, indústrias, como a de porcelana, demolições, o que era e não é mais. O rio e sua nascente que atravessa a cidade e a história pessoal da professora.

Não poderia faltar a estação de ferro, em torno da qual a cidade se formou, a cidade dos migrantes, dos que vieram para o trabalho e a vida os fez ficar. Os personagens que habitam as ruas, os loucos da cidade (“todo bairro tem um louco / que o bairro trata bem” como nos mostrava Paulo Leminsky).

Histórias que fazem parte da História maior. Mauá homenageada e compreendida pela cidadã ilustre que dela fez sua casa. Um livro destinado a melhor iluminar os caminhos da cidade onde tanto falta em termos de políticas públicas e onde tanto sobra em amorosidade. Aqui, um convite ao embarque com olhos de ver e entranhar. Tente compreender quem aqui é cativa de quem? A poeta ou a cidade?

Vá disposto a deixar-se seduzir, o choque é revestido da mais pura energia poética.

 

dalila teles veras, Primavera 2023

https://alpharrabio.com.br/produto/cidade-cativa/