Gabirobas roxas, jabuticabas amarelas, lagartixas alcoviteiras
R$ 50,00
DE GABIROBAS E JABUTICABAS
Este livro contém nove crônicas em torno de um homem: José Silva. Nascido na roça, aprendeu a valorizar a literatura e o conhecimento, recebendo o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra.
O livro também pode ser lido como uma única e longa crônica com pausas para respiração. E foi assim que o li. Pergunte à enfermeira Laura, a narradora desta obra, que está longe de aceitar o tempo veloz em que estamos. O tempo é lento, antes do antes, porque o espaço onde as personagens se assentam também o é.
E, não bastassem estas duas possibilidades, mais uma me ocorre: um livro de crônicas de ficção, pois seus personagens já estiveram em narrativas anteriores, longe do mundo factual que naturalmente envolve o armarinho da crônica. Quem sabe as personagens estejam a pressionar o autor para se tornarem reais, como um Pinóquio, por Jepeto.
Elas, as personagens, dialogam confortavelmente com elementos da natureza. Mais que isso, nutrem-se dessa ideia, apesar de saberem que o mundo está fora de ser um lugar imaginado, e que está longe de ser feliz e seguro como decerto gostariam. Vivem numa espécie de sonho acordado, entre répteis, porque estes guardam memórias do que se pode reviver, sem assombrar-se.
O feminino está longe de alcançar o ambiente contemporâneo. Não sei se o nega, mas é certo que dele se distancia. A figura feminina é a que se presta a sonhar ou seguir. Quando não, apresenta-se em seu extremo – “poldra sedenta”. Ou será que sonhar é uma maneira de reprimir seus desejos para não contaminar uma suposta moral social, saudosa de um tempo que ficou caduco? Neste feminino, a luta se dá pelo simples medo de desejar.
Se o feminino distancia-se do seu tempo e de si, o autor distancia-se do texto para dar lugar a uma narradora-personagem que caminha pelo texto com desenvoltura, entre olhos, sensações, percepções, inclusive, interagindo diretamente com o leitor.
Os Silva recorrem a um certo tipo de humano, bom e ordeiro, talvez para garantir que estarão seguros e que o tempo – o da tecnologia – não os pode ameaçar. Por isso, dialogam com um mundo de sonhos – por ingenuidade ou comodismo.
No meio das inquietudes em torno do tempo, o senhor do desejo desafia o sr. Silva. Este luta e reprime, enquanto Laura finge seu desejo reconhecer. Mas o corpo sabe e queima em chama breve.
Este livro me faz lembrar a crônica de Rubem Alves: O tempo e as jabuticabas. Nela, o autor cansa-se do jogo de aparências e escolhe caminhar, por segurança, ao lado de Deus, como se já conhecesse o suficiente sobre o humano e seu desejo, a ponto de desprezá-lo. Mas como apreciar a Natureza em sua abundância, sabendo que o humano é parte dela e gerador de desejos?
O desejo trata do que não pode ser tocado. Quem será o leitor a ser seduzido por estas histórias? Certamente, aquele que escolhe experimentar a vida como um devir. Não devir no sentido de mudança, como no conhecido aforismo de Heráclito de Éfeso – “Nenhum homem pisa no mesmo rio duas vezes” – mas como algo que, sendo sabido que virá, precisa ser adiado. Mas em qual tempo?
Dione Barreto
Informação adicional
Dimensões | 14 × 21 cm |
---|