pedro (insistência)
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Quantos Pedros ainda podemos esperar de Marcos? Quantos relatos de amores apostólicos? Entre miragens, qual a verdadeira pedra de toque? Como leme, Lemes toma o amor na condição de narrativa rasgada, rodrigueana, fragmentos de fofocas com os quais remendamos alguma integridade possível entre contradições: fui digno ou tolo? As separações vieram de meu jeito torto de amar ou da distância imposta pelos desamores pedregosos?
Em todo caso, em cada caso, temos a tarefa da memória se quisermos continuar, e Marcos a cristaliza com muita sagacidade na forma de provérbios instagramáveis, haikus tupiniquins, minicontos, poemas em prosa de esquina, nenhum desses gêneros, todos. Trata-se de olhar para o que resta do tempo numa ironia fina, nem autocomplacente demais, nem destruidora das alteridades. Como dançar nesse meio fio, no fio da navalha? Em primeira instância, precisamos explodir os gêneros narrativos para que a experiência do amor possa ser revista de modo menos obsoleto e exclusivista.
A rememoração “do que nunca foi” talvez seja a marca ambivalente da fluidez do novo século, e este é o ponto forte da espiral narrativa que Marcos vem construindo em seus infindáveis Pedros. A descoberta de que são nas falhas, faltas, fracassos e fragmentos que se constituem subjetividades recolhendo o que podem. Ainda bem que podemos remendar nossos restos e continuar navegando, mesmo náufragos em meio a uma infinidade de possibilidades e impossibilidades. Acompanhamos nessas narrativas a dádiva ambígua daquilo que consideramos inesquecível e que carregamos a um só tempo como fardo e força. Será que foi cedo ou tarde demais? Na multitemporalidade em que a pós-modernidade nos coloca, já não sabemos mais. É necessário saber? Devemos nos levar a sério ou rir das batalhas individuais numa guerra de narrativas que nos polariza? Nossas dores e prazeres são roteiros de filmes que se iniciam sem um marco zero e terminam sem um fim reconhecível. Preferimos nutrir amores borrados por saber que os amores que virão tendem perigosamente a incidir nos mesmos ciclos em que as novidades são apenas alguns nomes trocados. Não nos iludamos: Pedro não é um, mas vários, e reaparece como fantasma esquecido de si mesmo nas renovadas tentativas de nos completarmos em alguém lá fora. Como membro lúcido de uma comunidade que vive à margem dos amores normativos, Marcos Lemes pega para si a missão de iluminar sombras que são de todos, todas, todes, não importa se dissidentes ou integrados.
Alexandre Rabelo
Escritor